Diversidade Sexual na História da Humanidade
- Débora Zardin de Lima
- 16 de mar. de 2018
- 5 min de leitura
A sexualidade pode ser abordada por diversos aspectos dado sua complexidade e importância em todas as dimensões da vida humana.
O termo sexualidade sofreu mudanças e recebe vários significados no decorrer da história, sendo que o presente estudo pretende abordar de forma breve, como a questão da diversidade sexual muda seu contexto ético e moral no decorrer das sociedades.
No primeiro momento cabe apontar que a sexualidade humana não é determinada pelo sexo biológico, ao nascimento do homem. O fato de nascer homem ou mulher, não determina a orientação sexual, nem mesmo como e com quem o indivíduo se relacionará afetivamente e sexualmente.
2.1 A sexualidade na Antiguidade
Existem vários registros históricos dizendo que a sexualidade humana, na antiguidade era uma prática entre os seres vivos, pluralista e diversificada, sendo os relacionamentos sexuais caracterizados como heterossexuais, homossexuais e bissexuais, cada qual com suas regras ditadas pelas hegemonias de poder da época conforme explicita os autores Dias, Foucault, Guimarães, Mott e Viana.
Segundo Guimarães (2010), na Grécia Antiga a homossexualidade ou pederastia[1], como era reconhecida no período; consistia em uma prática aceita socialmente. Um homem mais experiente poderia cortejar um jovem e caso a corte fosse aceita, o adulto seria uma espécie de preceptor do adolescente, pois o primeiro ensinaria o segundo o valor da estética (o belo), iniciá-lo-ia na arte do amor, complementaria seus estudos na área da filosofia e a da moral.
Contudo não era qualquer homem adulto que poderia exercer tal função, ou seja, para que um indivíduo mantivesse algum tipo de relação sexual com um adolescente, esse deveria ter certo grau de status social indicando que o adulto deveria possuir ascendência intelectual, cultural e econômica sobre o adolescente. A prática sexual ocorria por acreditar que por meio do sêmen eram transmitidos os dotes dos “preceptores” aos jovens.
Segundo Dias, 2009 o pederasta[2] em sua maioria, tinha esposas e o fato de se relacionar com garotos não implicava na anulação do casamento, já que se tratava de uma prática educacional. No período a bissexualidade era uma prática normal e fazia parte do contexto social, e a heterossexualidade aparecia como uma preferência de certo modo inferior e reservada à procriação. O homossexualismo era visto como uma necessidade natural, não se tratando de uma degradação moral, um acidente, um vício. Todo sujeito poderia ser ora homossexual ora heterossexual, dois termos, por sinal, desconhecidos na língua grega.
Outros registros de relações semelhantes encontram-se na obra de Viana (2007), onde cita que nas tribos primitivas da Oceania, a cerca de 35.000 anos atrás, ocorriam relacionamentos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, tendo como critério que os mais velhos iniciavam os mais jovens na vida adulta.
Entre os Marind, uma das tribos localizadas na Melanésia , os meninos, quando atingiam certa idade, eram separados da mãe e retirados da casa das mulheres para dormir com o pai na casa dos homens. Quando ele entrava na puberdade, era entregue a um tio materno para que este pudesse iniciá-lo como homem. (...) Os Marind, os Kiman e os Sambias, como outros povos desta região, acreditavam que somente com a penetração anal e com o sexo oral o jovem poderia receber a semente (esperma) e assim tornar-se um adulto, tão vigoroso quanto quem o havia iniciado; (...) também representava a possibilidade de transmissão de virtudes como a bravura, coragem, e qualidades para guerra e a caça dos mais velhos aos mais jovens. (VIANA, 2007, p.67,68).
Como se observa nos registros históricos a prática de relacionamentos afetivos e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, na antiguidade era uma prática cotidiana entre vários povos, com algumas regras específicas ditadas pelas hegemonias de poder do período, sem haver punições ou condenações por sua prática.
2.2 A sexualidade na Idade Média
Como os modos de relacionamentos humanos são construídos historicamente e sofrem influências ideológicas de poder, no decorrer das gerações, a sexualidade vivida e vivenciada na idade Média, não teve o mesmo significado que na Antiguidade.
Tanto para Viana (2007) como para Dias (2009) na Idade Média, a homossexualidade e a bissexualidade passam a ser consideradas como: “perversão, uma aberração da natureza, fonte do pecado”, assim como “condenada e tratada com preconceitos”, perpetuando-se tais idéias cheias de valores morais por várias gerações, tornando-se uma questão social na contemporaneidade a ser desmestificada.
Foucault (2006) também problematizou a questão da sexualidade entre os homens, na Idade Média. Ele mostrou o porquê do medo que a igreja tinha ao supor a perda do sêmen pelo homem. Isso decorria do fato quê toda a atividade sexual tinha que possuir a finalidade de procriação, ou seja, não poderia haver perdas de sêmen, pois infringiria o mandamento “crescei e multiplicai-vos”, além de ser pecado todo o ato sexual que tivesse uma finalidade diferente da reprodução de seres humanos.
A Igreja cultua uma série de normas morais, como o princípio da virgindade, da fidelidade conjugal e o princípio procriador das relações entre pares. Porém, ainda, persistem alguns resquícios da imprudência cristã com todo o seu princípio moralista de punir, repudiar a prática sexual que não fosse marital e procriadora, que é justamente a disseminação do preconceito, da discriminação as relações homossexuais.
Toda a condenação homossexual que se vivencia na sociedade atual, é derivada de conceitos e preconceitos que vêm sendo impregnados na mente das pessoas durante séculos. Porém a partir da idade moderna, com o declínio da influência da igreja há uma diminuição do sentimento de culpa e o prazer sexual deixa de ser identificado como ato criminoso.
2.3 Sexualidade a partir do Século XIX, os conceitos da Medicina
A medicina é uma área do saber importante e desde a Idade Média até a atualidade tem contribuído para o processo sócio histórico-dialético da diversidade sexual.
“Inicialmente na medicina a imagem do ser homossexual ressurge no século XIX, como uma doença, enfermidade que acarretava a diminuição das faculdades mentais, mal contagioso decorrente de um defeito genético.” (Dias, 2009, p. 52) A homossexualidade nesse momento ganhou espaço em diversos consultórios médicos sendo tratada e estudada.
Durante anos a Medicina pesquisou o sistema nervoso central, os hormônios, o funcionamento do aparelho genital e nada encontrou de diferente entre homossexuais e heterossexuais. Tentou mudar o comportamento humano tido como desviante usando os mais diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos. (...) (DIAS, 2009, p.52)
Durante este período surgiu o termo homossexualidade, criado especificamente em 1869, pelo médico húngaro Karoly Benkert, para designar o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. A partir daí o termo homossexualismo, foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID), como um desvio ou transtorno sexual.
Depois de um século em média, em 1974, a homossexualidade foi retirada da lista de doenças mentais, e passou a ser tratada pela medicina como uma forma de ser diferente da maioria, diferenciando-se apenas pelo relacionamento amoroso e sexual. Segundo Dias, 2009, o fato ocorreu “sob pressão dos movimentos de gays e lésbicas, que entregaram referendo fazendo a exigência à American Psychiatric Association (APA).
Mas só em 1993 a OMS – Organização Mundial de Saúde inseriu-a no capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. Na 10ª revisão do CID -10, em 1995, foi nominada entre os transtornos psicológicos e de comportamento associados ao desenvolvimento e orientação sexual (F66), constatando uma nota: a orientação sexual por si só não é para ser considerada como um transtorno.O sufixo “ismo”, que designa doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser.
A diversidade sexual em relação á homossexualidade, sob a ótica da área da medicina, pode-se afirmar que inicialmente era percebida e tratada como doença e uma anormalidade, mas com os avanços da ciência, com a desvinculação da Igreja, com a luta dos primeiros movimentos sociais e com demais descobertas, no final do século XX, a homossexualidade passa a ser compreendida não mais como doença e sim como orientação sexual dos indivíduos.
A partir da noção de orientação sexual foi possível admitir a existência de uma condição homossexual como parte da experiência e da variação sexual, permitindo aos homens e mulheres a liberdade de seguirem sua orientação sexual.
[1] Pederastia: prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem. Homossexualidade masculina. (Dicionário Houaiss, 2001 p.2163)
[2] Pederasta: indivíduo que pratica a pederastia. (Dicionário Houaiss, 2001 p.2163)
Débora Zardin de Lima, Assistente Social, Graduada na UNG -Universidade Guarulhos/SP. Voluntária da ONG Identidade LGBT Caxias

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